É em função da fantasia que o palhaço sente
aquelas baixas pela tua platéia, tua amável e amorosa platéia. Mas a platéia é
tanto o teu amor... Só que a fantasia que carrega, não é, para ele, meramente
uma fantasia física, que o deixa louvável à comédia e gabaritado em riso; ele
veste também uma outra fantasia, talvez por ter que contracenar consigo mesmo
no palco as cenas que, às crianças meladas de açúcar pelo algodão doce, causam
absurdas gargalhadas, mas a ele causam alguns conflitos que ele não costuma compartilhar...
A tua vida é esse palco, de exposição integral,
inclusive de suas fraquezas. Ser palhaço deve ser ideal para pessoas que odeiam
se expor, que se sentem engolidas por multidões ou mesmo que tremem ao ler um qualquer
texto para umas cinco pessoas. Isso porque a fantasia tem um poderio tão ímpar,
que a ela por ela mesma pode desenvolver a mente contraída, pode expandir a
vergonha à maestria.
Brada, pois, o palhaço em seu espetáculo:
A fantasia é uma ferramenta imprescindível à
vida e a sobrevivência humana! É na fantasia que o homem encontra refúgio de
tuas exposições! Exponha o homem fantasiado, que exporá um homem apto para tal,
e muitas vezes até primorosamente performático!
E pula o palhaço entusiasticamente no seio da
platéia, que se faz em grunhido apreensivo;
Espectadoras e espectadores, meus amores, podem até me chamar de exagerado! Mas convenhamos, meus queridos, se o mundo é cheio de entranhas delirantes que flertam nossos anelos em todos os sentidos, é em virtude dos exageros e dos exagerados! O que é o amor se não o exagero de coisas, tantas coisas, que eu nem sei direito até hoje o que são? E, dessas coisas que compõe o amor, muitas não são exageradas? E muitas outras não são fantasias? Lembremo-nos também daquelas fantasias exageradas!
E de repente, às piruetas, aos sorrisos e às
felicidades volta o palhaço ao palco...
Jamais aponte este teu dedo imundo novamente
em meu rosto! Vim para desfazer das tormentas que a rotina alveja minha cabeça,
não para um imundo discursar pífias palavras sem sentido!
Grita um senhor profundamente irritado, já na
escadaria que sobe para a saída, ao lado esquerdo do palhaço...
O que queres dizer, meu querido? Quer dizer
que te afliges pensar? Ou mesmo ousaria pensar?
Basta, louco! Não quero perder meu tempo com
suas bobagens!
Não és tu que reclamas da rotina que lhe mete
punhaladas em tua cabeça?
E, novamente, tenta o velho interromper a fala do
palhaço, mas sem sucesso:
Nada te importas sobre minha vida!..
Viestes para que? Sabes? Hei de falar, meu
amor! Basta! Viestes para fantasiar tua vida e tua cabeça nesta noite!
Fantasiar! Tu não sabe nada além de sobreviver nesse maldito circo!
Mas o que é isso, querido? Sente-se exposto? Jamais me sentiria exposto por
um infame...A fantasia que já criara outrora está se desfazendo? Esta
fantasia mesma que lhe metia o cabresto em relação às minhas ponderações neste
espetáculo? Escute aqui Oh, caístes tua fantasia? Não era isso que eu dizia,
meu amor?
As pessoas que saiam do circo, na oportunidade de
ouvirem esta ultima fala, ousaram permanecer ou mesmo retroceder alguns passos
a dentro do circo; o velho, por sua parte, ia rapidamente perdendo suas últimas
expectativas de contra falar com o até então bobo alegre, que, a propósito, transformar-se-ia
agora numa gigante e feroz ameaça à instabilidade emocional de todos senhores
que sentiam-se presos no circo, algemados pelos gritos do palhaço:
Voltem, amores! Sou o palhaço, o duque da
fantasia, o barão do exagero! A mim sentem-se acolhidos, mais bem tratados! Vos
expus à vocês mesmos, se saírem o mundo lhes virá expostos, aliás, vocês se
sentiram expostos ao mundo! Não se retraiam, não se limitem, fantasiem-se, sim,
mas jamais vos limitando à fantasia! Sejam, sobretudo, exagerados!
Notava-se agora um clamor que se generalizava em
favor do palhaço, que no mesmo instante pulou dos ferros onde se encontrava,
aqueles que sustentavam a estrutura da parte interna da entrada do circo.
Uma mulher se jogou em frente ao palhaço, fazendo
os dois pararem frente a frente no corredor que dava acesso ao palco.
Repentinamente, o palhaço, visivelmente extasiado, retira tua fantasia,
porta-se nu e causa um alvoroço generalizado aos presentes. A mulher ignora a
surpresa negativa daquela imensa maioria que esperava algo mais do palhaço e,
colocando-se a correr puxando-o pelo braço, trepa em algumas argolas
suspendidas que serviam para o show dos trapezistas, e grita:
O que foi, admiráveis imbecis! Se sentiram
expostos à nudez de um homem? Pobres limitados à fantasia! Da fantasia criam
tuas próprias lajes, cárceres, e da fantasia igualmente fogem! Louca! Loucos!
Jamais me chame de louco! A propósito, nem a loucura é apta a lhe designar!
Não lhe chamei de louco! Eu chamei a nós, eu e o palhaço, de loucos! E, sim,
se até a tua loucura é fantasiada pelos preceitos de tuas paranóias, ela jamais
poderia nos designar!
O homem, um dos últimos, resolve deixar o circo,
chutando alguns sacos de pipoca que estavam no chão da escadaria da saída. E ao
último senhor que saía pela porta do circo, num berro, como um último suspiro:
Exagero! Exagero! Gozo dele, por ele!
Fantasia! Gozo por ela, dela!
São tão pequenos, meu amor... mas eles me
ensinaram, sem eles eu não seria o que penso, então resolvi retribuir aquilo
que tanto crescia dentro de mim.
Não, podem ter lhe auxiliado, mas tu
ensinastes a tu próprio! Sim, amor, são dignos de dó! Mas compreendamos que,
infelizmente, nem todos têm oportunidade, outros nem têm capacidade, de abrirem
as grades da prisão, despirem a camisa de força da cabeça;
Compreendo, querida, por isso soamos aos seus
ouvidos como ruídos intolerantes;
Certamente. Enquanto houverem fantasias mal
feitas, aquelas que extrapolam teus verdadeiros significados, assim como você
falou, haverá a bestialidade massificada! Mas não nos portamos como superiores
tampouco atribuamos a eles o menosprezo; sofremos as mesmas tentações, o amor
nos dói igualmente, a fome nos ataca igualmente, assim como igualmente não
sabemos de nada!
Por isso a certeza é uma fantasia!
E por isso é precisa!
Você dilata a minha a visão, querida;
Assim como você também dilata a minha; calemos, palhaço; a fala, de tanto
que fora explorada, já está batida por hoje; conheçamo-nos ao silêncio da
fantasia!Mas não ao silêncio também batido; conheçamo-nos ao silêncio exagerado!
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