quarta-feira, 4 de setembro de 2013

XII

I

e é só pensar
no aeroporto de novo,
no vidro preto, no vento
no frio denso, do centro
que me sinto estranho com o tempo..

me lembro que acordei às 6
e a notei já com estranheza;
sentei, sem entender muito bem,
o clima tenso da nossa mesa;

"não temos muito tempo,
pois bem, atentos ao horário
vai partir em poucas horas,
temos que sair, vamos pro carro!"

e eu te estranhava, assustado,
te seguia, te segui, ali, ao teu lado;
não me lembro, não sei, mas percebi teu estado,
sofrimento, medo, lamento engasgado...

sentenciada ao partir de imediato
à falha de fato de qualquer presunção
sem muito tempo, planejamento, retrato,
já entravas no vão daquele saguão...

e entrou;
me abalou, me marcou,
um vidro preto me chocou;

via o reflexo
a imagem da minha vó,
abraçando o seu neto
e a olhando indo só...

Oh Vó,
forte, como sempre,
fizeste muita flor
que pegaste inda semente
se abrir com teu amor!

mas estava lá, o vidro preto,

nos separando,
ela entrando,
a caminhar
um passo lento;
chorando,
despedindo,
"vou voltar,
eu prometo".

Estava lá, vidro preto,

Como fronteira erguida em dor,
roubou os retratos que achou
nos deu os pedaços que rasgou;

nos deu dois lados de um lado só,
cortou-nos os laços de nosso nó,
deixou-a sozinha, sem mim, sem dó,
deixaste a ela, talvez, o pior;

Estava lá, vidro preto,

não a via,
e era só minha imagem
refletida..
ela ia,
e ficava ela em mim,
e doía..



e se foi.


II

E voou.
tantas horas de solidão,
no avião,
pra tantos anos que virão...

E eu só me lembro da escada,
do choro, a renata,
tão nova de casa,
descendo, calada,
leandro, maria,
camila...
pra casa.

e a estaca da vida
de uma criança tremia!..

eu chorava, não entendia
só sabia pra onde ia,
pois bem, quando vinha?
não tinha um dia,
quem sabia viria mais rápido que o dia
que passou tão devagar...

ah, esse dia,
tão fácil de lembrar;
Esse dia,
o que se foi,
que a levou pra lá,
que, tão estranha a vida e seus fatos,
em poucas horas tantos anos se desmancharam pelo ar,
chegaram e passaram
chegando a voar,
levando-a, tão leve,
atravessando o mar;

esse dia,
que agarrastes e grudastes
feito pulga em nossa história,
feito cravo no algodão
mais puro da memória,
pingastes com as próprias mãos
a dura lágrima quando choras,
a saudade em meu coração
feito bronquite que sufoca...

e sufoca,
e sufoca...

e hoje aí está,
12 anos, distantes
e é sempre "de agora em diante,
juro mais do que antes,
que hei de voltar".

há de chegar?


III

fugias avante ao imenso céu;
entravas convicta no turbilhão
das turbinas, turbulências, avião,
da águia de metal em direção à de papel;

mães que voam, arriscam os ares
por altares no fim do arco-íris
para rezarem, enfim, por teus lares
que ficam pelas terras da madeirite,

já nas terras do diamante,
dos arranha-céus sufocantes,
caem dos céus as santas distantes
no império fel de vis madames;

catapultas invisíveis,
mecadológicas, financeiras,
arrancam plantas pelas raízes
lançam os frutos sangrando seiva;

invadem o útero,
vasculham os cantos,
buscam os únicos
amores em prantos;

largam-nos com desprezo,
roubam-nos uma parte,
para roubar-te a única arte
de trabalhar por desespero;

mães se vão,
lutam por outras bandas,
labutam em meio a tantas
outras mães em solidão;

mas também ficam no brilho
dos abrigos mais intocáveis,
nas saudades de seus filhos
onde jamais estarão frágeis.



IV


"Meu filho,
Tenho a data!
Tenho a data!
Esse ano,

meu filho!
Eu te amo!"

E hoje, chegaste
o dia em que disseste
que o dia chegou;

A lágrima toma-me,
arranca-me a dor
que me acompanhou;

Escrever o que,
se posso, em breve,
viver?


V

Nosso reencontro
será a poesia da humanidade,
dos tempos e de toda a trama
do amor, da dor, da saudade
que temos nas pedras, nos papiros,
nas cavernas, nas lápides!

Poetizaremos o mundo,
o pintaremos de cores jamais vistas,
de rimas jamais lidas,
de músicas jamais ouvidas,
compostas, escritas!

O evocaremos ao nosso bel prazer
do momento de se rever;
Escreveremos as novas divinas comédias,
novos romances, livros, escritos,
novos roteiros, novas peças!

ecoaremos as canções
de mãe, de filho,
nos navios, aviões
nos mares, nos rios!

Serás o mês mais iluminado
já visto e presenciado
pelo mundo!

Chegaste!
Chegaste o dia!

Anjos vibram
e cantam Odes
à tua vinda!

Lobos piram
e uivam forte
à nossa vida!